Opinião
Obrigado por ajudar-me a viver
Por Evoti Leal
Barbeiro e escritor
Uma noite destas, estava ouvindo umas músicas instrumentais, daquelas bem suaves, quase celestiais, quando, caindo em sono profundo, tive um sonho deveras curioso.
Sonhei que estava numa cidade pequena, semelhante a algumas que conheço e que possuem menos de quinze mil habitantes.
No sonho eu estava invisível. Era dia claro, com um céu azul limpíssimo. Tentei falar com algumas pessoas que passavam, mas ninguém me respondia. Transitavam rente a mim, sem se desviarem. Concluí, em alguns minutos, que me havia tornado um ser transparente. Imaginei ter morrido e me vi como um espírito errante, andando lado a lado com uma ou outra pessoa.
Um homem dirigia um carro, ignorando-me sentado ao lado, no banco do carona. Achei super estranho! De repente, estava ali, dentro do automóvel, sem perceber em que momento havia embarcado nele. Ao parar para abastecer, o cidadão disse ao frentista: "Amigo, me ajude aqui; complete o tanque por favor".
O frentista o atendeu, solícito e alegre. Ao receber o pagamento, disse ao condutor do veículo: "Obrigado, amigo, por me ajudar a viver".
"Que papo esquisito!", pensei.
Paramos numa quitanda muito ampla. Desci e o acompanhei, enquanto ele escolhia legumes, frutas e verduras. Pegou maçãs, uvas, couve, alface, beterraba e cenoura, entre outros produtos da terra, oriundos de plantações locais e orgânicos, assim deduzi da conversa entre freguês e comerciante.
Ao pagar a conta, disse o comprador: "Amigo, muito obrigado por me ajudar a viver". O quitandeiro respondeu: "Quem agradece sou eu; você também está me ajudando a viver".
Voltei ao carro e entrei, sem que se me abrisse a porta.
Alguns metros adiante, o motorista, assobiando a canção que tocava no rádio, parou na esquina, obedecendo à sinalização e, ao ver um gari varrendo, junto ao meio fio da calçada, abriu a janela do meu lado e gritou, alegre, para o trabalhador: "Gratidão por me ajudar a viver, amigo".
O outro respondeu, sorrindo: "O senhor merece; e também estou sendo ajudado, pode crer!"
Vi-me, depois, acompanhando uma senhora, que entrou apressada em um consultório odontológico. Perguntou à atendente se a dentista já a havia chamado, pois se atrasara em uns dez minutos da hora marcada.
A jovem a acalmou: "não se preocupe; damos quinze minutos de tolerância, pois sabemos que nossos pacientes podem se deparar com algum contratempo no trajeto até aqui.
"Ô, filha. Obrigada por me ajudar a viver. A vida seria bem difícil, se não houvesse tanta gentileza e gratidão, como há entre as pessoas desta cidade!"
"A gente merece", disse a moça.
Findo o procedimento, vi a dentista abrir um largo sorriso e, com um brilho estelar nos olhos, falar à paciente: "Gratidão, minha querida. Você me ajuda a viver, sempre que aqui vem".
A senhora também agradeceu e saiu feliz. Seguindo-a, ia perguntar-lhe sobre tantas manifestações fraternais, quando dei por mim, em minha cama, ainda de luz acesa, ouvindo a mais bela versão orquestrada de "gracias a la vida".
Finalmente, dormi e acordei horas mais tarde, recordando o inspirador sonho daquela noite.
(Do livro "Vem! A vida te convida a viver" - crônica n°. 10)
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